Â鶹ÊÓƵ

Aluna formada em Artes na Â鶹ÊÓƵ é destaque do Festival Artes Vertentes

Publicada em 15/10/2020

Ação cultural para a liberdade, o quarto encontro do Ciclo Pororoca, reuniu a escritora Maria Valéria Rezende, um dos principais nomes da literatura contemporânea no Brasil, e Ísis Bey Trindade, artista visual e ceramista, formada em Artes Aplicadas pela Â鶹ÊÓƵ. O debate, que foi ao ar no último dia 6, está disponível no . O Ciclo Pororoca é uma das muitas atrações inseridas no (FAV).

Ísis acredita que a autonomia e, consequentemente, a liberdade na Educação, é um processo que precisa ser exercitado e construído. Citando Paulo Freire, explica: “Ensinar não é só transferir conhecimento, mas sim criar possibilidades para essa própria produção. Penso a ação cultural como criação dessas possibilidades, de modo que as próprias pessoas alcancem essa liberdade, a reivindiquem, sejam conscientes dos seus direitos e criem formas de transformarem suas vidas.”

O diálogo entre autora e artista abordou a temática da arte e da educação como direito e esperança de amparo às crianças e jovens. Para Bey, as escolas, de modo geral, não estão preparadas para a formação crítica e autônoma. “Perpetuam as desigualdades e a exclusão, num ambiente de opressão, competição e violência. É preciso repensar de forma radical a pedagogia no Brasil e aproveitar espaços educativos informais para valorizar as competências individuais e a história de cada aluno.”

História e memória: uma autobiografia
Melhor do que contar a história de alguém é deixar que ela mesma recrie suas memórias. Por isso, a palavra da própria artista ganha a cena na sua autoapresentação.

“Meu nome é Ísis Bey, nasci em Belo Horizonte, moro atualmente em Tiradentes, e trabalho como arte educadora na Ação Cultural do Festival Artes Vertentes, oferecendo oficinas de artes visuais para o público da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), da Associação de Moradores do Alto da Torre e da Associação de Moradores do Bairro Pacu.

Minha primeira memória de vida está ligada à arte. Aos quatro anos via meu pai tingindo massas e, daí em diante, todas as memórias estão relacionadas à música, artes plásticas, dança, letras. Minha mãe é escritora, meu pai é filósofo e artista plástico autodidata. Sempre tivemos muitos livros em casa, e muito incentivo para produzir. Cantávamos no madrigal, nos apresentávamos em recitais. Cresci numa família privilegiada, respirando esse universo das artes, mergulhada nos aparatos que eu gostaria que toda criança tivesse, para crescer um adulto livre e autônomo.

Minha alma de artesã nasceu aos 10 anos, quando comecei a pintar peças de gesso, que vendia na loja da amiga do meu pai. Pouco depois, uma das minhas irmãs resolveu que iríamos fazer teatro, o que foi libertador para mim, criança tímida que fui. No teatro, descobri meu amor pelas artes plásticas, ao construir cenários, figurinos e adereços.

Aos 16, morei em alguns estados do Brasil, estudando e trabalhando com arte. Foi em Aracaju que entrei na companhia Stultífera Navis, tocando violino, depois como atriz e secretária, quando aprendi um pouco sobre os mecanismos de financiamento de projetos artísticos. Percebi então que a gente precisava buscar se instruir sobre esses mecanismos, para criar o que quiséssemos! Passei também a perceber a arte de maneira menos disciplinar.

Meu pai, irmãs e um irmão estavam morando em Tiradentes, para onde vim em 2009. Moramos no Alto da Torre. A realidade social dessa comunidade é um retrato difícil e muitas têm, infelizmente, um destino cruel e comum em nosso país. Com meu trabalho, consegui resgatar algumas pessoas, que hoje estão, inclusive, na Universidade. Eu me realizo com cada conquista delas, é uma forma de resistência. O papel da arte é sensibilizar o ser humano e humanizar nossas relações, tanto com o mundo quanto com nossos conflitos internos e externos.

Continuei estudando música, fazendo artesanato e estudando cinema. Conheci em Tiradentes o ceramista Francisco Alessandri, que na época era aluno do curso de Artes Aplicadas da Â鶹ÊÓƵ, e aí todo um universo se abriu à minha frente. Foi o que me levou para a Universidade.”

Na Â鶹ÊÓƵ
Aluna da Â鶹ÊÓƵ de 2012 a 2017, já no primeiro ano da graduação Ísis participou do Grupo Transdisciplinar de Pesquisa em Artes e Sustentabilidade, orientada pelo professor Adilson Siqueira, do curso de Teatro. “Foram muitos saberes compartilhados em uma mesma atividade junto aos moradores do Araçá, um local de prática e de afeto muito importante pra mim”, nos conta Ísis.

Durante a graduação, fez um ano de mobilidade acadêmica na Universidade Federal do Amazonas, estudando cerâmica indígena como projeto de extensão.

Orientada pelas professoras Glória Ribeiro e Zandra Miranda, a então aluna integrou a equipe do Centro de Referência da Cultura Popular Max Justo Guedes, no Fortim dos Emboabas, tempo esse fundamental para sua formação. No Fortim, teoria e prática foram vitais. “Conheci Nise da Silveira, que hoje é uma guia, os grupos de estudo de Psicologia, de arte terapia, os encontros com o pessoal da Filosofia… Foi lá que me apaixonei por estudiosos que amo hoje: Paulo Freire, Jung, Piaget, Janusz Korczak, Foucault, Lévi Strauss…”

Ísis também trabalhou durante seis anos com arte educação no Museu do Barro, recebendo a comunidade, indo às escolas estaduais e municipais, às comunidades remanescentes quilombolas, oferecendo oficinas em eventos, congressos e seminários.

Na iniciação científica, desenvolveu, com a irmã Janaína, estudante de Teatro, um produto pedagógico para o ensino das sensibilidades, com orientação do professor Cláudio José Guilarduci. O resultado foi um livro infanto-juvenil, que narra a história dos edifícios teatrais dos séculos XVIII e XIX em São João del-Rei. As ilustrações foram feitas com carimbos de cerâmica. Outra experiência nova: o flanar pelas ruas, andar pela multidão à cata de algo, percebendo o espaço arquitetônico. Esse livro, relembra Ísis, veio da exposição 30 portas imaginárias para São João del-Rei, uma série de 30 imagens do pensamento desenhadas em nanquim e tinta. “Buscamos refletir sobre os objetos urbanos tombados e as possíveis imagens que eles possam representar para a população da cidade.”

Em seu trabalho de conclusão de curso, Ísis falou de suas inquietações frente a tantas injustiças sociais, refletindo sobre como a arte poderia ser ferramenta de sensibilização e denúncia. O trabalho foi apresentado em formato audiovisual: Refletir e Florescer está no . em nosso site traz mais detalhes sobre essa produção.

E agora, 2020?
Hoje, diante tantos projetos, como o FAV e a atuação nas associações, Ísis se vê diante de um novo desafio: o distanciamento social, causado pela pandemia do novo coronavírus. “Mas são nos momentos de crise que exigimos de nós ainda mais criatividade e força. Seguimos, aprendendo a cada situação. Literalmente, fomos às casas, chegamos ao portão, mantendo o distanciamento. Daí nasceu essa história do “bate papo de portão”. Estreitamos bastante nossas relações, fortalecemos nossas parcerias, nossos laços.”

Para que fosse possível a continuidade dos projetos, criou-se uma rede de apoio, foram realizadas visitas para entrega de apostilas, kit de materiais, além das aulas on-line. Um documentário sobre as Águas de Tiradentes está sendo produzido, entre outras trabalhos, que em novembro poderão ser assistidos durante o FAV. “Para mim, arte educação é uma forma de resistência, de empoderamento, de libertação, de atuação no mundo, é uma forma de construir esse mundo que queremos, com receptores e emissores mais sensíveis”, empolga-se Ísis.