Â鶹ÊÓƵ

Traduzir o corpo na relação com o espaço

Publicada em 17/11/2020

O sexto encontro do Ciclo Pororoca, preparatório ao 9º Festival Artes Vertentes, colocou frente a frente o artista visual Marlon de Paula, egresso do curso de Jornalismo da Â鶹ÊÓƵ, e o artista plástico capixaba Rick Rodrigues. O diálogo, que pode ser visto nos canais do Artes Vertentes no e no , teve como temática Permitir o afeto quando a claridade apaga. Os convidados trataram da importância dos afetos e da arte em tempos de isolamento e escuridão.

Marlon por Marlon
Foi no universo de uma família rural do leste de Minas Gerais, de pais poucos escolarizados, num ambiente campesino no interior do Estado, que nasceu Marlon de Paula. Ainda bem pequeno, mudou-se para Timóteo, no Vale do Aço, região cercada por grandes empresas siderúrgicas. Sua infância é assim narrada por ele: “Cresci entre esses dois universos, uma casa pautada em costumes rurais, desde coletar madeira para acender o fogão de lenha a ter uma pequena área onde eram plantados feijão, mandioca e milho para consumo doméstico. O segundo universo era vivido do portão para fora da minha casa, numa cidade industrial na qual as famílias, empregadas pela indústria, detinham alto poder aquisitivo e podiam desfrutar de uma condição de vida melhor do que a nossa.”

Marlon sempre estudou em escola pública. Em 2009, teve a oportunidade de fazer o curso técnico de Química Industrial, no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). Foi lá que teve contato com pessoas economicamente mais privilegiadas, que o fizeram vislumbrar a possibilidade de cursar uma federal, “o que até aquele momento era impensável para mim, seja por questões econômicas, seja por ignorância.” Ao se formar no Cefet, em 2011, Marlon ingressou, no ano seguinte, no curso de Comunicação Social da Â鶹ÊÓƵ, opção que se deu devido a seu fascínio por narrar histórias. A partir de então, o artista descobriu São João del-Rei, até então uma cidade desconhecida para ele.

A arte em sua vida
Foi a partir das aulas na Â鶹ÊÓƵ que Marlon teve seu primeiro contato com o mundo da arte. Como aluno, ele destaca as disciplinas que lhe foram fundamentais, formadoras do que é hoje: História da Arte, Cultura Brasileira, Jornalismo Cultural, Linguagem Fotográfica e Fotojornalismo. “Sempre busquei trilhar um caminho que fosse interdisciplinar, buscando em outros cursos o que me instigava, o que me tocava como artista.” Nesse caminho, as disciplinas do professor Gedley Braga, na Arquitetura, também foram essenciais para vida pessoal do artista: “A maneira como ele compartilha suas leituras do mundo da arte me transformaram completamente.”

Marlon não se esquece das disciplinas de base sociológica da professora Patrícia Matos, cruciais para ele se perceber e rever seu lugar no mundo, a sua condição de sujeito, reconfigurada pela base cultural e humana absorvida na convivência com os professores da Comunicação: Kátia, Ivan, Vanessa, Filomena, João, Luciene, Jairo, Luiz, Paulo e Alessandra. “Todos muito importantes na minha trajetória. Sou muito grato por tudo que aprendi com eles, que foi além do Jornalismo”, declara.

Durante a graduação, ele também vivenciou a experiência da formação de ator, como aluno do curso técnico do Teatro da Pedra, o que muito influenciou seu trabalho artístico performático. Em 2013, participando do Coletivo Sem Eira Nem Beira, partiu para uma residência itinerante com os artistas Pedro Motta, Daniel Perini, Eustáquio Neves e Miguel Chikaoka, chamada Inter-Residência Ação, na qual desenvolveram, a partir de processos colaborativos, aparatos fotográficos para retratar as paisagens naturais da região das Vertentes. Nasceu assim uma série de metodologias para incrementar diálogos entre imagem e paisagem, ressignificando a fotografia e sua relação com os territórios visitados.

O processo final culminou em um fotolivro, lançando durante o Inverno Cultural de 2013. “Participar desse projeto também foi primordial para entender os como eu poderia extravasar a fotografia para além do fotojornalismo. Foi quando tive o encorajamento necessário para produzir e expor em diversos festivais pelo Brasil, criando em São João del-Rei”, relembra. Em 2017, formou-se jornalista na Â鶹ÊÓƵ e permaneceu em São João até 2019, produzindo e trabalhando, até se mudar para Belo Horizonte neste ano.

Andanças artísticas
Em 2019, Marlon participou de outra residência artística, no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, a convite do Artes Vertentes. “Desenvolvi uma pesquisa nas dependências do que foi um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil, a Colônia Juliano Moreira. Produzi uma série documental das ruínas decadentes do antigo manicômio, e também pude realizar algumas vivências artísticas com os atuais usuários do espaço, oferecendo oficinas de fotografia.” O processo redundou em exposição no Festival Internacional Artes Vertentes, na cidade de Tiradentes, em 2019.

Recentemente, a partir de um edital emergencial do Sesc, voltado para artistas em tempos de pandemia, ofereceu uma vídeo-oficina de fotografia, para o público idoso, um dos mais atingidos pela pandemia da Covid-19. “Foi um projeto de arte-educação muito gratificante. Preparei uma série de dinâmicas e exercícios para um público que muitas vezes é esquecido no mundo da arte.” O vídeo está disponível .

Durante a pandemia, Marlon também produziu a série de fotoperformance Rizoma, na qual pesquisa estados de suspensão de objetos, retratando imprevistas situações escultóricas, reveladas apenas pelo disparo momentâneo da câmera fotográfica. Como descreve o artista, “a série reflete sobre os tempos de incerteza que vivemos, o tempo de desorientação em que estamos imersos, de não saber a direção que a humanidade está trilhando para si. Fala um pouco sobre essa miséria que nos consome nesses tempos de Covid-19.” Entre seus projetos futuros, consta o de uma residência internacional que planeja realizar ano que vem. “O convite partiu de um artista que admiro muito e me deixa muito honrado, pois é uma oportunidade única de conhecer outros contextos no mundo da arte, de produzir outros atravessamentos no meu processo artístico.”

Diante do cenário atual, de precarização do setor artístico, com a diminuição drástica dos rendimentos dos trabalhadores da cultura, Marlon consegue destacar como ponto positivo alguns editais emergenciais sobre a pandemia lançados pela iniciativa privada, assim como a aprovação da Lei de Emergência da Cultura Aldir Blanc, pelo Governo Federal.

O que você espera da arte e da cultura pós pandemia? Que possam “ajudar a sociedade a refletir sobre a forma predatória com que ocupamos o mundo. O vírus é um sintoma maior, que vem se manifestando há um bom tempo, relacionado com a desordem e a total falta de sustentabilidade. Consumimos sem responsabilidade os recursos do planeta, alguma hora a Terra iria repercutir tragédia. O vírus é esse sinal! Precisamos realmente rever nossa relação com o mundo.”