Elza Deusa Soares: álbum da cantora inspira Inverno Cultural
Publicada em 05/05/2022
O álbum Planeta Fome, lançado há três anos pela cantora Elza Soares, será o “pano de fundo” das discussões e atividades do 33º Inverno Cultural da Â鶹ÊÓƵ, que acontecerá entre os dias 23 e 31 de julho, nas cidades de SJDR, Divinópolis, Ouro Branco e Sete Lagoas.
Segundo o coordenador geral do evento e pró-reitor de Extensão da Â鶹ÊÓƵ, professor Francisco Brinati, o tema deste ano traz uma reverência à vida e à obra de Elza Soares, suscitando discussões interessantes no cenário da sociedade brasileira atual. “É um álbum que aborda temas muito oportunos como, por exemplo, o racismo, a homofobia, a violência contra a mulher, o negacionismo. Então decidimos homenagear Elza e trazer esses temas pro debate dentro do festival.”
A preparação do Inverno Cultural está a pleno vapor. No último dia 18, terminou o prazo de inscrições de propostas por parte dos artistas que desejam se apresentar em eventos ou ministrar oficinas. “Agora, os coordenadores de cada área estão selecionando o que veio da comunidade, levando em conta também a adaptação da proposta ao tema proposto”, completa.
Brinati espera que a situação da pandemia permita que o Inverno Cultural volte a ser presencial, “indo para as ruas”, permitindo um envolvimento mais pleno do público com o festival.
Planeta Fome
Foi o último álbum da carreira de Elza Soares e o segundo com repertório totalmente inédito. Nele, a cantora carioca faz uma espécie de reatamento com a sua carreira artística, marcada pela denúncia daquilo que a atormentava na vida real.
O título do álbum remete a um episódio singular da vida da cantora e da história da MPB. Elza nasceu na Vila Vintém, um dos “bolsões de miséria” da periferia do Rio de Janeiro. Por imposição do pai, teve que se casar quando tinha apenas 12 anos e aos 13 já havia “enterrado” um filho e estava prestes a perder o segundo, na luta inglória contra a desnutrição. Certo dia, desesperada, resolveu participar do Programa de Calouros da Rádio Tupi, apresentado pelo mitológico compositor Ary Barroso, que oferecia prêmios em dinheiro aos candidatos vencedores. Era a única chance de matar a fome e salvar seu bebê, pensava ela. Numa espécie de “traquinagem de menina”, roubou um “vestido de festa” da mãe (que pesava o dobro dela... ), ajeitou a roupa no corpo com alguns alfinetes e partiu para o auditório onde ocorria o concurso. É claro que o traje ficou muito esquisito. Durante o concurso, soltou sua voz com o timbre rascante que a caracterizaria. No meio da canção, o surpreso apresentador a interrompeu e perguntou meio zombando: “De que planeta você veio minha filha?” Elza não titubeou e mandou de volta: “Do mesmo planeta que o senhor, o Planeta Fome.” Ary Barroso então se virou para a platéia e afirmou como numa profecia: “Estamos aqui presenciando o nascimento de uma estrela.” Ao falar desse episódio, Elza contava que terminou de cantar a música abraçada a Ary Barroso.
Depois disso, ela abriu seus próprios caminhos e constituiu sua biografia “tocando em frente”, apesar das tragédias pessoais que vivenciou. Resiliência sempre foi sua palavra de ordem. Na vida e na arte. E não é diferente no álbum Planeta Fome. Musicalmente, é um trabalho no qual a sonoridade realçada das guitarras, a percussão marcante com atabaques e agogôs, e a interpretação marcante da cantora garantem o tempero “afro-jazz” do álbum. Na escolha do repertório, demonstra uma tendência que marcou sua obra, a escolha compositores contemporâneos como B-Negão, Pedro Luiz e Virgínia Rodrigues. Sem pudores, literalmente, “põe na roda” os temas que marcaram sua vida. Do mesmo modo como pretende fazer a Â鶹ÊÓƵ com esse tema no Inverno Cultural.
“Deusa”
Na história do Carnaval brasileiro, Elza foi a primeira mulher a interpretar um samba-enredo à frente da bateria de uma escola de samba no Carnaval do Rio de Janeiro A maior homenagem pública que recebeu em seus 91 anos de vida foi em 2020, quando a Mocidade Independente de Padre Miguel, sua escola de coração, levou para a Marquês de Sapucaí o enredo Elza Deusa Soares. O maravilhoso samba-enredo, considerado pela crítica como o melhor daquele ano, teve co-autoria da cantora Sandra de Sá e levantou a multidão na Sapucaí. Num trecho, as palavras parecem sair da boca da própria Elza: “Sei que é preciso lutar / com as armas de uma canção / A gente tem que acordar! / Da lama nasce o amor / Quebrar as agulhas / que vestem a dor”.
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